Desate o nó
num desatino; um desafio.

O universo NÃO conspira ao seu favor.

By Diego Paulino
Caralho!

Foi a palavra que quase escapou de minha boca quando chutei o pé da mesa do escritório onde trabalhava.Caralho, caralho, caralho. Eu segurava o xingamento enquanto respirava fundo e meu dedo latejava. Corri os olhos pelo lugar. Marcelinho, Ronaldo, Dida, Kaká e o resto da seleção brasileira começavam a arrumar suas coisas pra ir embora. Ok, 'tâmo entre homens. Abri a boca já sentindo a felicidade de soltar o maldito palavrão e me ver livre daquela dor, me sentir feliz, realizado, sortudo e todos os udos quando avistei ela: Dona Josi.

Ah, não! Só faltava essa! Dona Josiane Carvalho – assim ela se apresenta – é uma espécie de supervisora aqui do "trampo". E, cara, vou te falar: a mulher é o demônio! Sério, no sentido literal da palavra mesmo. Ela era feia que doííía; e chata! Pela amor de Deus, que mulher chata. Na minha humilde condição de trabalhador assalariado e universitário fodido sou da seguinte opinião: Gente feia tem obrigação de ser simpática. Sem mais, nem mesmo. É feio? Seja simpático para que as pessoas tentem gostar de você. Não é difícil, é? Eu não sou lá um primor de beleza e tenho um humor legalzinho. 'Tô equilibrado. Mas a Josi... Ah, a Josi força demais. Feia, chata e fedida! Quando ela chegava perto de mim eu tinha vontade de arrancar meus olhos e pô-los no vinagre, vontade de jogar areia no meu ouvido pra ver se a voz irritante daquela mulher parava de soar dentro da minha mente. “Faz isso, faz aquilo. Isso tá ruim. Cadê o relatório?”. Meu maior sonho é o dia que chegar um recado dizendo que a infeliz sofreu um acidente, que, sei lá, um elefante fugiu do zoológico e atropelou. E cagou em cima.

Olha que divertido, pensando mal da minha querida chefe, a dor no dedão havia até sumido.

Havia.

Quando lembrei dela, a maldita voltou em dobro! Eu balançava minhas pernas, roía as unhas, suava como um porco e aquela vozinha na minha cabeça ficava me instigando a gritar o palavrão, que aquilo seria a melhor coisa que eu faria pra mim, pra São Paulo, pra humanidade! Mas eu não posso, respondi a vozinha, A Godzilla tá aqui na sala e ela é mais puritana que a Madre Tereza!

- Diego, você tá bem, cara?

Ouvi a voz do Marcão me chamando. Mas, merda, se eu abrisse a boca pra respondê-lo o palavrão ia estourar como uma bolha de sabão na superfície. E o que eu não queria era que o gritar aquilo, não com a demônio por aqui.

- Diego...?

Porra, Marcão, dá um tempo! O encarei e fiz meu sorriso mais gentil, pra mostrar que eu 'tava bem e era pra ele parar de encher o saco. Balancei a cabeça afirmativamente, parecendo uma criança retardada. Bom, deve ter funcionado porque o cara saiu de perto e foi pro outro lado do escritório.

Mas, opa, porque ele tá cochichando com o Marcelinho? E apontando pra mim? E agora o kaká também se juntou ao grupinho e também tá apontando pra cá! Eita, tem coisa errada, melhor disfarçar.

Virei pra minha mesa e comecei a guardar tudo o que via por ali. Na verdade, eu jogava o que aparecia na minha frente pra dentro da gaveta porque não conseguia me concentrar de nenhuma maneira. O maldito dedo ainda latejava de uma forma absurda. A vozinha continuava na minha cabeça me atiçando e a Josi não ia embora. Deus, eu fiz cócegas nos pés de Jesus quando ele tava na cruz? Eu passei a perna no Papa em outra encarnação? Eu fiz o quê?! Porque na certa eu 'tava pagando pelos meus pecados por aquela situação. Mas, hey, eu não acredito nisso. Você é cético, lembra?. Ok, ok, então é...a Lei de Murphy, isso! Como era mesmo? Se algo está ruim pode ter certeza que vai piorar? Pois bem , 'taí a prova! Arranquei a cabeça do dedão do pé no exato dia que a supervisora vem aqui....

-Diego?!

Me deparei com o rosto de todos meus colegas de trabalho me encarando com uma expressão estranha e assustada. Por trás deles a Demônio fingia que não tava prestando atenção na conversa, mas eu sabia que estava! Ela disfarçava e olhava pra cá. Fofoqueira. O que 'tava acontecendo?!

- Cara, respira, você tá ficando roxo!

Roxo, quem, onde, quando, porquê? E não é que era verdade? Há quanto tempo que estava segurando a respiração pra não falar a palavrinha mágica? Mas eu não tinha notado...no entanto, agora que os caras tinham falado, eu senti uma falta de ar tremenda e aquilo foi se misturando com a dor no dedão, com a raiva da Godzilla, com minha frustração por receber pouco naquele emprego ruim, com o nervosismo por ter aquele monte de olhos me fitando e o sangue subiu à cabeça. Não só sangue, a situação era tão extrema que tudo subiu: sangue, urina, suco gástrico. Aquela mistura queria sair por minha boca em forma de palavras e a vozinha – desgraçada! – ainda me instigava mais e mais e mais e mais...

- CAAAA-RAAAA-LHOOOO!

Todo mundo parou. A Josi me olhou. Minha dor aliviou e eu respirei. ENFIM!

-CA - RA - LHO!

Gritei mais uma vez, só pra ter o gostinho de sentir que eu podia!
A supervisora me fuzilou com os olhos e eu nem liguei! Nada valia mais a pena de que ter matado aquela vontade estranha que tomava conta do meu corpo. Nossa, era quase como se eu tivesse no paraíso. Num mundo sem dor e cheio de palavrões!

Para salvar meu dia ruim o alarme tocou, avisando que tava na hora deir embora. Juntei minhas coisas e parti, sem olhar pra trás pra ver os olhos perplexos de todo mundo ali. Puta que pariu, depois daquela tortura eu deveria ser é canonizado! Isso! São Diego! Soa bem, não soa?
Até combinava com o som do coro de anjos cantando "Aleluia" em alto e bom na minha cabeça.


Nota: Usei como nome do personagem "Diego", pois o texto era pra uma competição e pedia que você fosse o protagonista. Porém, é uma situação fictícia.
 

1 comment so far.

  1. Luara Quaresma 28 de setembro de 2010 às 11:49
    como escreve bem.

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