Desate o nó
num desatino; um desafio.

By Diego Paulino
It's been a long time coming
Such a long long time
And I can't stop running


Depois que me mudei pra Sidney, para viver e conviver com 'seres' como eu, tive muito tempo sozinha. Falar era algo raro, às vezes creio que esqueci o som de minha própria voz. Não fazia diferença emitir qualquer nota por minhas pregas vocais; eu somente pensava e refletia...Refletia sobre o passado e não sobre o futuro - minha vida humana fora no passado. Recordava-me de Louise...se aquilo não tivesse acontecido, se eu não a tivesse tocado, ela já estaria com 11 anos?! Pobre Louise.
Por quê a manifestação forte teve de ocorrer com Louise, com um bebê, com minha irmã?! E eu digo forte, pois, depois de muito reletir sobre minha vida acho que já tive manifestações mutantes mais fracas, mas eu nunca tinha as considerado.

Lembro de uma vez, num dia de verão, estava quente, demais pro meu gosto. Eu devia ter uns 14, 15 anos, não mais que isso. E uns amigos vieram em casa, pra nadar na piscina; eu os tinha convidado. Gostava de ter os amigos por perto. Afinal, eu nunca tinha feito parte de um grupo de amigos, sabe, daqueles que lembram de você quando marcam algo? Então, pela primeira vez meu grupo era assim. Éramos em 3 meninas e 4 garotos, tinhamos mais ou menos a mesma idade e a mesma condição sócio-econômica, os nomes não são importantes. A não ser o de King, James King. Ele era o garoto mais bonito dos quais conhecia, e eu tinha uma queda por ele, acho que ele sentia alguma atração por mim também, ele era mais experiente, eu acho, talvez tivesse segundas intenções... Mas nunca tinha acontecido nada entre nós até aquele dia. Éramos amigos, acima de tudo...
Depois do lanche, fomos para a piscina e ,quando o sol estava brilhando mais forte do que nunca, isso é, umas 2 da tarde, todos estavam na piscina, brincando, exceto eu e Jimmy. Ficamos conversando na beira, com apenas os pés na água. Ele era inteligente e tinha um humor incrível - essas caracteristicas sempre andam juntas, na minha opinião - e me fazia rir como uma criança boba num circo. Como em todo bom diálogo, chega uma momento que o assunto morre, se esconde, e as únicas coisas que ouvimos são a respiração um do outro...Nesse recesso de palavras, King pegou em minha mão, que estava distraidamente apoiada no chão.
Eu me arrepiei de surpresa. E com um súbito formigamento em minha mão.
Ele, de frio. E tirou imediatamente a mão da minha.

- O que foi, Jimmy?
- Não, nada... Esquece - e repôs a mão sobre a minha.
- Pode falar, o que aconteceu? - insisti
- Não, nada...É, que quando eu te toquei, minha mão ficou gelada...
- Como?!
- É, é estranho, segurei sua mão e ela ficou gelada, tive a impressão que o calor escorria por meus dedos...
- Você tá me chamando de estranha?! - fiz uma cara de ultraje. E tirei minha mão de perto da dele
- Não, Aimée, não é nada isso, é que...
- É que o quê?!
- É gostosa, a sensação, entende?Ainda mais nesse calor, ha-ha.
Não consegui responder, fiquei feliz e assutada, eu havia causado prazer em um garoto, mesmo não tendo sido eu, devia ter sido algum fenômeno de física, choque térmico, não sei.
- Gostoso? - Repus a mão sobre sua
- Sim... - e ele passou os braços por cima de meus ombros.Senti outro formigamento, agora na altura do pescoço.
E finalmente nos beijamos.

Eu nunca disse nada sobre o formigamento em minha mão, não achei necessário. As sensações dos momentos em que ficamos em contato físico fizeram-me esquecer de tal bobagem. A única coisa que ainda mexia um pouco com minha mente é que ele disse que, esporadicamente, quando me tocava, ainda sentia a mesma sensação de drenagem de calor; nunca levamos isso muito à sério.

Mas hoje, madura e sabendo da minha condição de mutante. Creio que aquela foi uma pequena manifestação do Gene X.
Fico feliz por isso, fiquei grata por ter chegado a essa conclusão. Agora sei que meu primeiro feito como mutante não foi matar um bebê.Meu primeiro feito em minha nova condição não foi me transformar em uma assassina. Meu primeiro feito como mutante não foi a desestruturação de minha família.

E isso faz uma grande diferença em como eu encaro o mundo mutante: Não como um mundo assassino, mas, sim, um mundo novo, que pode fazê-lo sofrer, mas pode causar-lhe algum prazer.
Humanos são tolos em achar que somos diferentes, já que pertencemos a mundos tão semelhantes e interligados.
Somos galhos de uma mesma árvore.
 

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